Artigo | Um Grito no Silêncio, Mães esgotadas e pais desobrigados da parentalidade com seus filhos: um dever do Judiciário aplicar a lei de acordo com a realidade concreta social


Por: Dra Claudia Vieiralves

O silêncio das mães solo carrega um grito ensurdecedor de exaustão, abandono e luta diária pela sobrevivência de seus filhos. A maternidade, quando vivida sem o apoio do pai, torna-se uma jornada de sobrecarga emocional, financeira e psicológica. A injustiça se perpetua não apenas na ausência paterna, mas também nas decisões judiciais que, ao invés de equilibrarem essa desigualdade histórica, legitimam e reforçam a irresponsabilidade masculina.  

A parentalidade, embora devesse ser uma via de mão dupla, segue sendo uma imposição unilateral à mulher. Enquanto as mães enfrentam jornadas duplas ou triplas, sacrificando sua saúde e desenvolvimento pessoal, os pais encontram brechas na legislação e na interpretação judicial para se eximirem de sua responsabilidade. O direito alimentar, sustentado pelo binômio "possibilidade X necessidade", deveria considerar não apenas a renda formal do pai, mas a necessidade real da criança e os anos de ausência financeira e afetiva que recaíram sobre a mãe.  

 O Judiciário e a perpetuação da impunidade paterna

As decisões judiciais sobre alimentos, na maioria das vezes, são tímidas e dissociadas da realidade concreta das mães solo. Quando um pai alega dificuldades financeiras, rapidamente os tribunais flexibilizam sua obrigação, ignorando que a mãe nunca teve essa opção. Uma mãe desempregada, doente ou sem condições mínimas de subsistência nunca teve o privilégio de "não poder pagar"; ela sempre encontrou uma maneira de alimentar e criar seus filhos.  

No entanto, essa luta diária das mães não é reconhecida como um critério para a fixação dos alimentos. O pai que esteve ausente por anos, sem contribuir financeiramente ou emocionalmente, não é cobrado por esse passivo de negligência. O Judiciário não pode ser um instrumento de chancela da irresponsabilidade paterna, permitindo que as mães continuem arcando sozinhas com o peso da criação dos filhos.  

 A necessidade de uma justiça pedagógica e reparadora

O dever da Justiça vai além da mera aplicação fria da norma. O direito de família deve ser interpretado à luz da realidade social, considerando a desigualdade histórica imposta às mulheres. A fixação de alimentos deve levar em conta:  

- Os anos de ausência financeira do pai;  
- A sobrecarga da mãe, que foi obrigada a criar possibilidades para sustentar a criança;  
- A necessidade de estabelecer um equilíbrio financeiro e moral, responsabilizando o pai pelo período em que se omitiu;  
- A garantia de que a criança tenha seu direito à alimentação, educação e desenvolvimento assegurado de forma digna.  

Uma decisão justa não é apenas aquela que cumpre formalmente a legislação, mas a que corrige desigualdades estruturais e impõe aos pais a responsabilidade que lhes cabe. O Judiciário não pode continuar sendo cúmplice da impunidade paterna.  

As mães esgotadas, que gritam no silêncio da sobrecarga, não pedem favores. Elas exigem justiça. E justiça, quando aplicada com sensibilidade e compromisso social, não é uma concessão – é um direito.

Dra Claudia Vieiralves: 

Advogada, pós graduanda em em processo civil com ênfase em execução, Primeira mulher no Amazonas a presidir a 2ª Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva do Amazonas, em 31/11/2015. Também é a primeira mulher a presidir a Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção Parintins, no triênio 2022/2024 e reeleita para triênio 2025/2027. Membro da Academia de Literatura, Arte Cultura da Amazônia, Associada no Instituto Brasileiro de Direito de Família -  IBDFAM , associada na Associação Brasileira Criança Feliz - ABCF, associada na Associação Brasileira de Advogados Criminais do Amazonas, escritora em coautoria do Livro Defensores da Lei.

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