O Festival de Parintins é considerado o maior espetáculo a céu aberto do mundo. O evento marca, há mais de 50 anos, a competição folclórica dos bois Caprichoso e Garantido, que se enfrentam apresentando 21 itens em uma arena nomeada de ‘Bumbódromo’. A primeira edição da festa foi em 1965, mas a história dos bumbás é contada desde 1913.
Este ano, na 57ª edição, que será realizada nos dias 28, 29 e 30 de junho, o Caprichoso, que defende a cor azul, tentará o 26º título com o tema ‘Cultura – O Triunfo do Povo’. E o Garantido, representado pela cor vermelha, buscará o 33º título, com o tema ‘Segredos do Coração’.
Caprichoso
De acordo com Márcio Braz, que é membro do Conselho de Artes do Caprichoso, o Touro Negro nasceu no ano de 1913, pelas bandas do Urubuzal, em Parintins. Nascido das mãos de Roque Cid e seus irmãos, Antônio Cid, Beatriz Cid e Pedro Cid, naturais de Crato, no Ceará, o boi azulado carrega em sua história muita ancestralidade.
O ponto de partida é quando os irmãos resolvem seguir para rumos diferentes em busca de uma vida melhor e saem do Nordeste. O mais velho, Pedro Cid, resolveu ficar em Belém, pois precisava de trabalho urgentemente. Os outros, Roque Cid, Antônio Cid e Beatriz Cid, seguiram para Parintins.
Em 1913, os Cid ainda não haviam concretizado todos os seus sonhos de prosperar na nova terra e escutam sobre um boi de nome Caprichoso, que ficava na Praça 14 de janeiro, em Manaus. Os irmãos decidem, então, criar um boi também chamado Caprichoso, com a promessa de conseguir prosperidade naquela terra e proporcionar, todos os anos, festejos para a população.
Assim, nasce o boi conhecido como ‘Touro Negro da América’, no local conhecido como ‘Esconde’, onde hoje é a Travessa Sá Peixoto. Para Márcio Braz, a negritude do boi representa muita luta e, com isso, maior identificação com os torcedores.
“O Caprichoso escolheu a cor preta e tem o nome que vem de um quilombo da Praça 14. A cor e o nome surgem como uma afronta às elites locais. No início dos anos 80, a gente já falava dessa negritude na arena. Tivemos várias toadas nesse sentido, ligadas ao axé. O Caprichoso abraça os povos da Amazônia e as pessoas foram percebendo que é um boi de luta”, destacou Márcio Braz, membro do Conselho de Artes do Caprichoso.
No lado sul da cidade está o reduto do Caprichoso, onde também fica localizado o Curral Zeca Xibelão. É no espaço que todos os eventos, festas e outras tradições do bumbá ainda são realizadas até os dias de hoje.
Garantido
O Boi Garantido também surgiu em 1913, data que é reconhecida como ano oficial de sua fundação, mediante a falta de registros oficiais desse momento histórico. Como fundador, o bumbá tem Lindolfo Monteverde, que personifica a história da agremiação detentora de 32 títulos.
O nome do bumbá surgiu quando Lindolfo Monteverde, aos 11 anos, foi pedir à sua mãe para criar uma brincadeira de boi. Ao escutar que não podia, pois era uma brincadeira de adultos, o pequeno Lindolfo decidiu que um dia criaria o próprio boi, onde todas as crianças poderiam brincar e prometeu que o nome dado ao brinquedo seria ‘Garantido’.
Anos mais tarde, Lindolfo ficou muito doente e fez uma promessa à São João que, se ficasse curado, criaria um boi-bumbá para sair às ruas todo dia 24 de junho. Assim, a promessa foi cumprida e, todos os anos, no dia de São João, uma reza é realizada no antigo curral do boi. Após o término da celebração, o Boi Garantido sai com a batucada e a vaqueirada pelas ruas da Baixa do São José, em agradecimento pela graça concedida há muitos anos. Segundo registros antigos, as cores vermelho e branco também tiveram origem nas cores do santo.
A Baixa do São José é o reduto tradicional do Garantido, em Parintins. Localizado na parte oeste da cidade, é na Baixa que se encontra o local onde nasceu o Garantido. O lugar de eventos, reuniões e concentração tradicional é conhecido como “curral antigo”. Neste lugar, até hoje, são realizadas as celebrações de Santo Antônio e de São João, tradições influenciadas pela religião católica, traço histórico do povo parintinense.
“O Garantido nasce em uma comunidade chamada Baixa do São José, que antes era chamada de Baixa da Xanda, por conta da mãe de Lindolfo, dona Alexandrina. Essa localidade, naquela época, era muito longe do Centro de Parintins, uma região que alagava. Ali, se agregavam negros, que tinham fugido do processo de escravidão, indígenas e pessoas de baixo poder econômico, que se juntaram enquanto comunidade. Então, o Garantido emerge de uma comunidade afro-indígena, formada por pessoas humildes, nascendo no meio do povo”, destacou o doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia, Allan Rodrigues.
A agremiação adotou um posicionamento politizado em suas performances, utilizando a arte como instrumento de transformação social e disseminando mensagens de tolerância, igualdade e respeito. Por meio de suas toadas, danças, cenários e figurinos, o Boi Garantido aborda temas como intolerância religiosa, igualdade de gênero, racismo e etnocentrismo, destacando a importância da diversidade cultural e da preservação das tradições amazônicas.
FOTO: Mauro Neto/Secom
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