Nove horas e meia de viagem. Esse foi o tempo que tempo que 299 moradores da comunidade Campo do Miriti, em Maués, levaram para chegar até a comunidade Nossa Senhora de Nazaré para participarem do mutirão para emissão e regularização de documentação civil coordenado pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).
Os integrantes das 64 famílias viajaram em uma caravana, divididos em 16 pequenas embarcações (canoas de madeira e botes de alumínio) com motores rabeta. Praticamente a comunidade inteira, que tem 316 moradores, se deslocou para participar da ação, uma oportunidade única e que era um clamor antigo dos indígenas Sateré-Mawé do Alto Marau, o foco do mutirão.
Ao todo, 16 comunidades da região, que fica dentro da Terra Indígena Andirá-Marau, serão atendidas pela ação, que iniciou na segunda-feira (15) e que encerra nesta quarta-feira (17).
“Vim para ajudar meu povo que ainda não tem alguns documentos. Viemos juntos e chegamos ontem de tarde. Eu já tenho todos os documentos, mas também trouxe minha filha para tirar o RG e o Título de Eleitor. Eu também já vou trocar meu local de votação para cá, em Nossa Senhora de Nazaré, que vai ter uma urna na próxima eleição”, explicou o tu’isa (cacique) Janoso Cristino de Oliveira do Campo do Miriti, a comunidade mauesense do Alto Marau mais distante da sede do município.
“Se fosse para tirar esses documentos em Maués, seria um dia de viagem só de ida e a gente ainda não ia conseguir tirar tudo num dia só como está sendo aqui. É uma alegria muito grande esse mutirão acontecer. Por isso veio todo mundo do Campo do Miriti, só ficaram alguns que já tem documento para cuidar das casas”, acrescentou o tu’isa.
Pela primeira vez, aos 20 anos de idade, Elinalson de Oliveira teve seu nome registrado em um documento civil, a Certidão de Nascimento. Ele e sua família foram atendidos neste segundo dia do mutirão. Elinalson tirou todos os documentos disponíveis na ação para, na sequência, poder registrar os três filhos pequenos. “Eu estou feliz por ter conseguido tirar os meus documentos. Foi rápido. Agora vou tirar os das crianças”, disse.
Moradora da comunidade Novo Remanso, Elizete Michiles participou do mutirão para incluir a filha Mariáh, que completa um ano de idade no próximo mês, no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico) e, assim, poder receber o Bolsa Família. “Foi um atendimento rápido, ótimo. Estou bastante feliz”, declarou a jovem.
“Poder tirar os documentos é um direito de todo cidadão. Sem a Certidão de Nascimento, que é o primeiro documento, a pessoa se torna invisível para a sociedade”, destacou a assistente social Guadalupe Maia Silva, da equipe volante da Secretaria Municipal de Assistência Social de Maués (Semas), responsável pelo CadÚnico.
Anos de luta e planejamento
O tu’isa Menézio Pereira Santana, da comunidade Vista Alegre, ressaltou que nunca houve um mutirão com tantos serviços no Alto Marau. Menézio contou que luta das comunidades do Alto Marau para conseguir a realização de uma ação como essas já durava anos. “Com a força do nosso Tupana, nossa proposta foi enviada, e nisso que a Defensoria nos ajudou muito, e está dando tudo certo”, disse o líder comunitário.
A defensora pública e coordenadora do mutirão, Daniele Fernandes, explicou que a ação foi pensada e planejada há cerca de um ano. “Foi quando as lideranças das comunidades começaram a chegar à Defensoria Pública nos trazendo essa situação da falta de documentação pela dificuldade de ingresso nas localidades. Nós levamos quase 10 horas para chegar aqui na comunidade Nossa Senhora de Nazaré, que não é nem última do Alto Marau”, observou.
A defensora do Polo de Maués da DPE-AM ressaltou que há famílias inteiras sendo atendidas que não tinham nenhum tipo documento. “Dificilmente essas pessoas teriam condições físicas e financeiras de comparecer até a sede do município de Maués, tendo em vista que o local onde a gente está fica mais próximo do Pará do que cidade de Maués. Estamos muito alegres e contentes, esperando que essa ação seja a primeira de muitas”, declarou.
Sobre o mutirão
O mutirão de atendimentos no Alto Marau iniciou nesta segunda-feira (15) e encerra na quarta-feira (17). Em toda região vivem pelo menos 10 mil pessoas, segundo a Associação de Tuxauas dos Rios Urupadi, Miriti e Manjuru (Tumupe).
O público atendido é formado por indígenas Sateré-Mawé, a maioria falantes apenas do idioma indígena. Em função disso, o trabalho conta colaboração de 13 intérpretes voluntários – todos também indígenas Sateré-Mawé.
Estão sendo oferecidos serviços de documentação civil, tais como: emissão e retificação de Certidão de Nascimento, registro de nascimento tardio, registro de óbito tardio, emissão de Carteira de Identidade Nacional (CIN, antigo RG), CPF e Título de Eleitor. Também são ofertados a alteração do local de votação e o registro no CAD Único para obtenção do Bolsa Família.
Além da Semas e Tumupe, o mutirão de atendimentos tem como parceiros: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), as secretarias estaduais de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) e de Segurança Pública (SSP-AM), Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), Associação Puratig dos Indígenas Sateré Mawé do Município de Maués (APISMMM), Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), Cartório Andrade, Receita Federal do Brasil (RFB), Distrito Especial Indígena Parintins (DSEI/PIN) e Casa de Saúde Indígena (Casai).
Texto: Luciano Falbo - Fotos: Márcio Silva/DPE-AM
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