No Festival Folclórico de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus), quando Caprichoso e Garantido entram na arena e o cronômetro começa a contar o tempo, tudo passa a valer ponto, inclusive a galera, o item 19, que faz parte do espetáculo e tem influência direta no resultado final após as três noites de apresentações. Mas esse amor não é demonstrado somente em junho, nas arquibancadas do Bumbódromo, o sentimento dura o ano todo, uma vida inteira. E o primeiro passo é ser escolhido por um dos bumbás.
Para saber como isso acontece, é preciso conhecer toda a magia que envolve o espetáculo da Ilha Tupinambarana. No ano passado, o 56º Festival de Parintins, promovido pelo Governo do Amazonas, atraiu 110 mil turistas, segundo dados da Empresa Estadual de Turismo (Amazonastur).
Dentro do contexto histórico do Festival é natural que alguns torcedores já tenham escolhido um dos bois para torcer, isso acontece, principalmente, quando a paixão passa de geração para geração. Mas na maioria das vezes, o amor surge após o primeiro contato com Caprichoso ou Garantido em Parintins, é nesse momento que os bumbás aproveitam para fisgar o coração de mais um torcedor, seja para fazer parte da galera azulada ou da avermelhada.
Caprichoso
A família da dona Nilta Morais conhece bem esse sentimento, a casa no bairro Japiim, zona sul de Manaus, toda decorada de azul é uma prova de amor ao Touro Negro, que fica no centro da sala, para comprovar que ali todos são torcedores azulados.
Sorridente ao lado do boi-bumbá, dona Nilta Morais explica como foi escolhida pelo Caprichoso. Tudo começou na primeira viagem a Parintins com o esposo, em 1990. Os dois foram sem escolher um lado, mas foram arrebatados, como gostam de dizer, pelo Caprichoso.
“As toadas chamaram a minha atenção. Foi aquele ‘tcham’ e pronto, virou meu amor, o Touro Negro da América. Ver ele bailando, de um lado para o outro, trazendo aquela energia. É um amor sem explicação e só quem é Caprichoso sabe”, disse a torcedora, Nilda Morais.
Toda essa paixão foi repassada para a geração seguinte. Com o tempo, os três filhos passaram a acompanhar os pais, todos os anos, na viagem para a Ilha Tupinambarana. O filho do meio, Vitorhugo Morais, foi crescendo nesse ambiente apaixonado e azulado e, aos 18 anos, decidiu que queria não apenas ser um torcedor, mas fazer parte da Marujada de Guerra do boi Caprichoso e contribuir dentro do Bumbódromo.
“Eu tinha o sonho de entrar como percussionista na Marujada de Guerra e tive esse privilégio de conseguir entrar no ano de 2004. Por um acaso do destino, fui convidado para ser o mestre da Marujada, em 2010, e estou até hoje dando muito trabalho para o Contrário (Garantido)”, falou, bem-humorado, o torcedor Vitorhugo Morais.
Para conquistar novos torcedores, a família tem o costume de dar uma palhinha do que é ser o item 19 do Festival de Parintins. Na sala de casa, com o tambor do mestre da Marujada de Guerra, a família quase sempre escolhe a toada “Pode Avisar”, cantada nas vozes do levantador de toadas Patrick Araújo e do apresentador Edmundo Oran e aí tudo vira festa.
Garantido
A alguns quilômetros da casa da dona Nilta, no bairro Parque 10, na zona centro-sul de Manaus, vive a família Holanda e um morador ilustre, o boi-bumbá Garantido, campeão de 2013, ano do Centenário. A matriarca da família, Maria de Lourdes, de 83 anos, é a responsável por cuidar do boi do coração.
A paixão da perreché pelo boi vermelho e branco nasceu nos anos 2000, quando foi a um ensaio, em Manaus. Emocionada, ela lembra que o rufar do tambor e a tradicional contagem ganharam o coração dela naquele dia.
“Não teve jeito, eu olhei para ele (boi Garantido), gostei e estou com ele até hoje. É minha maior alegria. Eu gosto muito desse boi, do movimento, da cultura que ele traz. É uma coisa louca”, disse a torcedora Maria de Lourdes.
O famoso ditado popular “Coração de mãe sempre cabe mais um” também vale para a casa da família Holanda. No início, apenas a matriarca da família era Garantido, mas as filhas acabaram se rendendo ao boi-bumbá com o coração na testa. Assim como a mãe, Ana Holanda também não segura as lágrimas ao explicar como o boi a escolheu.
“É aquela velha história de que não é nós escolhemos o boi, é ele que nos escolhe. Quando eu fui a Parintins, pela primeira vez, e vi o boi Garantido sair daquele coração vermelho, dentro do Bumbódromo, eu disse: esse é o meu boi. Quando a gente grita a contagem, não tem como não se apaixonar e chorar. Para quem vier (ao Amazonas) pela primeira vez, venha com a alma aberta”, falou a perreché, Ana Holanda.
Sentadas, em meio às almofadas vermelhas da sala, a família Holanda canta a toada “Vermelho”, de 1996, que representa a nação perreché e foi eternizada nas vozes de Fafá de Belém e David Assayag.
FOTOS: Arthur Castro/Secom
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