Foto: IBAMA Prevfogo |
Por: Fátima Guedes
Ferir a floresta, as plantas, os frutos, os rios, o ar, os bichos é violentar a nós... A natureza somos todos nós. Ela dá a vida, mas também a morte. (Jurismar: Pajé/Tuxaua Sateré-Mawé)
Não são recentes os alertas sobre a destruição da Amazônia. Na década de 1970, os poetas brasileiros, Toninho de Barros e Vital Faria cancionavam profecias anunciando/denunciando o massacre em progressão sobre a Região: “Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta”. “Não chore por mim, Amazônia!”. Em total sintonia e já percebendo sinais, gritos e gemidos abafados vindos das florestas e das populações nativas, em 1996, na arena do bumbódromo, o compositor parintinense, Emerson Maia, ergue a voz, a bandeira vermelha e brada para o mundo Lamento de Raças: “Todo mundo está chorando, a Amazônia está queimando.... Ai, ai, que dor! Ai, ai, que horror!”.
Apesar dos gritos por socorro expressados com sensibilidade artística e de todo o concretismo sobre a realidade amazônica, a indiferença sistêmica, a alienação político social (digital indelével da massa colonizada) ignoram e sustentam o caos cuja semeadura iniciou-se e sustenta-se há mais de 500 anos, quando a cruz, a espada e o fuzil, de mãos dadas, impuseram ao nativo brasileiro preceitos dominantes, cruéis, discriminatórios sobre tudo o que se relaciona à selva e a seus habitantes independentemente da espécie.
De maneira ampla e com total sutileza, o massacre colonialista nas terras pindoramas sustenta estrategicamente a farsa da inesgotabilidade dos recursos naturais. Por essa trilha de sedução a categorias alienadas, o sistema colonizante através de seus espertalhões estabelece a dita comodidade, ou, para maior clareza, a commodity - conforme a linguística financeirista.
Dos argumentos em pauta, a grave situação da Amazônia nos chama a protestar coletivamente o 22 de abril, referência de “descobrimento do Brasil”, até celebrada em muitas escolas, ditas públicas. Comprovadamente, a data denuncia a invasão portuguesa das terras brasileiras e das respectivas populações. A questão é problematizadora. Sob o olhar do Educador Paulo Freire, exige de matriotas, patriotas, agentes políticos, militantes, educadores e comunicadores autônomos, enfim, de todo um coletivo comprometido com a soberania popular, o exercício da transgressão à ética de mercado: domínio e controle de povos e comunidades tradicionais; exige também o debate público sobre o direito de transgredir o colonialismo capitalista/religiosista sobre territórios, valores, princípios cultivados e vivenciados pelas legítimas populações nativas.
A propósito dos preceitos e preconceitos assimilados pelas populações dominadas no processo colonizatório da Amazônia, é visível e até nos choca conviver de forma passiva e indiferente com práticas discriminatórias entre os próprios nativos, cabocos e cabocas, em relação aos códigos étnico culturais. Observa-se, numa boa parte da cabocada alienada, acentuada rejeição expressada no ver, no julgar e nas relações com as florestas, com os bichos, com as águas, com os fenômenos naturais: chuvas, ventos, sol... Reafirmo: sobre fenômenos especificamente naturais.
(Perdoem-me! No momento, sou forçada a interromper estes rascunhos... A violência sonora agride meu ambiente e a concentração... A quem recorrer?... O sistema ainda não entendeu ou não quer entender: agressão ao sossego público é também violência ambiental.)
Encerro este espaço literário com gritos por socorro em defesa da Mãe Terra, da Amazônia e de todas as Vidas. Aconchego-me à rebeldia poética de Vital Faria, Toninho de Barros, de Émerson Maia e acolho as profecias que já se cumprem: “Era uma vez uma floresta na linha do Equador...”. “Virou deserto o meu torrão / meu rio secou, pra onde vou?”.
Sem mais, haja vista a oficialização/naturalização da estupidez em nome da cultura, não será surpresa se a engenhosidade artística inventar temas, lendas, toadas e transformar a tragédia amazônica em brinquedo de turista e lucro aos investidores, únicos beneficiados do Festival Folclórico de Parintins/Am.
Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
Edição: Floriano Lins
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Opinião