Artigo | Setembro: Revolução Borboleta

Gosto de Borboletas. Elas me acompanham nos meus sonhos. Elas sabem voar, pousam nas flores e nos lugares mais bonitos... Por isso tenho várias borboletas tatuadas no braço, na costa, na bunda... Quero ser uma borboleta! (Borboleta: codinome de ex-presidiária. Algemas Silenciadas, 2018)


Fátima Guedes*

O mês de agosto de 2023 marcou: vestira-se de lilás reafirmando que-fazeres feministas por uma Mátria aquarelada em diálogos pluriversais. Conforme o Pensador Heráclito, “A vida é movimento; o sol é novo a cada dia”. Assim, as sementes lançadas no agosto lilás (Ronda Maria da Penha, apoio do 110 BPM, Operação SHAMAR da Polícia Civil e ações de Movimentos Feministas) alcançam setembro que, entre cores, flores e doces aromas, invagina-se de esperançares libertários.

Obviamente, a mística de setembro rememora comunidades tradicionais em suas conexões com a Lua do Vinho, da Cantoria, da Madeira... com as deusas regentes Ariadne, Deméter, Medusa, Perséfone, Têmis... Era o Mês Sagrado, tempo favorável para tomada de decisões e escolhas corretas. A propósito, o setembro que nos chega aqui/agora aponta desafios a escolhas justas: acolher os sussurros da Mãe Terra, dos legítimos cuidadores da vida (os elementais) e adubar dignamente as sementes do agosto lilás para que abundantes florações e frutos saudáveis saciem nossa fome por Justiça Socioambiental. 

É possível testemunhar o vir-a-ser! O sol avermelhava a manhã. A música do vento sobre teimosas e resistentes folhagens - no enfrentamento a um cenário acinzentado de fumaça e calor intenso-, despertara multiplicidades de borboletas, que dançavam livremente, anunciando possibilidades transformadoras, transgressoras pelo direito à metamorfose, à autotransformação, ao poder de transformar casulos sistêmicos em universos/diversos e voar para além do determinado, do limitante. 

A ousadia rítmica ao mesmo tempo revolucionária das borboletas, neste verão, somada aos propósitos feministas do agosto lilás remexem memórias de nossa infância e desnudam regras/padrões de caráter inquisidores impostos através do que chamavam brincadeiras de roda: “Lagarta pintada quem foi que te pintou? Foi uma velha que por aqui passou. No tempo da ira levanta poeira... Puxa lagarta, a tua orelha!”. Em princípio, lagartas coloridas de vida e beleza são crias de sábias ancestrais: as bruxas que por aqui passaram e deixaram legados de autonomia e libertação, em total desacordo às regras machistas/patriarcais. Impossível não lembrar a essencialidade da Lagarta Pintada! Impossível não desejar a sabedoria, o poder das velhas bruxas e afirmar o direito à metamorfose!  

Passaram-se mais de 70 anos... Quantas manas ainda se mantêm fechadas em casulos ideológicos machistas, conjugais, institucionalistas... puxando as orelhas por se atreverem, em algum momento, ensaiar voos transgressores, colorir-se a partir dos próprios desejos, alçar voos inéditos como e onde querem!  Quantas milhares de manas também tiveram orelhas e asas arrancadas nos tempos da ira, da dita “Santa Inquisição”.  

Vale lembrar que os tempos da ira não passaram... Estão aí mascarados em religiões, grupos fascistas, em instituições ditas democráticas e etc. Mulheres continuam reféns de gestores, administradores, pastores, caciques políticos, patrões, maridos e de sistemas que as mantêm em posições de subalternalidades. 

A metáfora da Lagarta Pintada é um dos impositivos patriarcais criado há séculos. É uma estratégia lúdica, sutil e maléfica contra o despertar feminino; é uma apropriação sobre ingenuidades, carências, dependências, analfabetismo e empobrecimento de mulheres.  Por essa via, o falseamento da realidade através de “brincadeiras” impostas às meninas aniquila possibilidades de autoconhecimento, de problematizações sobre si mesmas e conquista da liberdade. 

É tempo de primavera! As borboletas em bando enfrentam ameaças e inquisições ambientais. No coletivo são bem mais fortes! Não desistem do direito à Vida! Enquanto lagartas, nutriram-se sabiamente: armazenaram energias, conhecimentos, experiências, estratégias... O tempo do casulo é incerto. É o tempo necessário para empoderar-se de autoconhecimento, autoconsciência, autocuidado, autonomia... Tempo para voar, sair da regra e revolucionar-se: seja feita a minha vontade!  

Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.

Foto: Elton Almeida

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