Representantes da sociedade civil e de órgãos governamentais celebraram, nesta quinta-feira (27), a divulgação de dados relativos à população quilombola no Brasil, presentes no Censo pela primeira vez na edição de 2022. Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo 2022 mostrou que Brasil tem 1,32 milhão de quilombolas, residentes em 1.696 municípios.
Na divulgação da publicação Brasil Quilombola: Quantos Somos, Onde Estamos?’, em Brasília, o presidente em exercício do IBGE, Cimar Azeredo, considera que os números inéditos sobre esse grupo populacional são uma verdadeira reparação histórica de injustiças cometidas no passado.
“São essas populações que mais precisam das estatísticas, desses números. A gente precisa saber quantas escolas, quantos postos de saúde, coisas relacionadas à educação e tudo o que essa população quilombola precisa, como a titulação [de terras]. Os dados que estão sendo apresentados hoje, pelo IBGE, se tornam, praticamente, uma reparação histórica”. Cimar Azeredo adiantou que, brevemente, o IBGE vai apresentar informações básicas sobre pessoas indígenas e moradores de comunidades e favelas.
Presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo Pereira, no lançamento do Censo Quilombola - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil |
O coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq ) Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko, agradeceu a cada liderança quilombola, que, segundo ele, fizeram o papel do Estado durante o censo e conversaram com suas comunidades para destacar a importância de responder às perguntas do levantamento e que hoje é um dia de vitória. “O censo é uma conquista de anos de luta e é importante para que possamos avançar na construção de políticas públicas. Somos mais do que números. A cada número desse bate um coração e uma trajetória de resistência”.
“O censo está aqui para que o povo brasileiro conheça essa parte da riqueza da nossa história que o livro da escola não conta. Nós somos parte da história do povo brasileiro”, ressalta Biko Moraes.
A representante da Organização das Nações Unidas no Brasil, Florbela Fernandes, destacou que o levantamento e a divulgação de dados sobre a população quilombola no Brasil tem um simbolismo enorme a todo o país. “A inclusão de um quesito específico para a população quilombola [no censo] representa um marco de reparação histórica importante e que serve de investigação de referência para outros países da diáspora africana”.
“Essa é a primeira pesquisa oficial para coletar dados específicos sobre a população quilombola. Após 135 anos da abolição da escravidão no Brasil, finalmente, saberemos quantos quilombolas são exatamente, onde estão, e como vivem”, comemorou Florbela Fernandes.
Atores do Censo 2022
No encontro desta quinta-feira, a quilombola Gisely Cordeiro dos Santos, da comunidade de Boa Vista de Alto Trombetas, no município de Oriximina (PA), atuou como recenseadora em 2022-2023. A mulher preta falou sobre as dificuldades enfrentadas no levantamento das informações, mas, que a maioria dos entrevistados colaborou. “O pessoal entendeu que isso pode trazer alguma melhoria para a gente, porque nós, como quilombolas, precisamos que políticas públicas sejam criadas para atender às nossas necessidades. Só a gente, que é quilombola, sabe que tem coisas que precisam ser melhoradas”.
Na outra ponta do país, vinda da comunidade quilombola Rincão dos Negros, no município de Rio Pardo (RS), Joelita David Bitencourt, relatou a experiência como recenseadora em um quilombo. “Foi um prazer não assistir apenas, mas, também participar da grande contagem dos quilombolas do nosso Brasil. Com 52 anos, é a primeira vez que fui recenseadora. É uma grande alegria saber que estamos nesta contagem”.
O Nordeste concentra 68,19% do total de quilombolas do país. E Dandara Mendes, do território quilombola de Conceição das Crioulas, no município de Salgueiro (PE), também fez parte desta estatística. Dandara contou a experiência de ter sido “contada” pelo governo. “A maioria das pessoas, ao saber quem que poderia ser contada, ficou se sentindo privilegiada. Só agora a gente está sendo encontrado. Se eu, com 22 anos de idade, já sinto isso, imagine meu povo mais velho que já está nesta luta há um tempão, esperando por essa contagem”.
Reivindicações
O coordenador executivo da Conaq, Biko Moraes, reivindicou aumento do orçamento para as políticas públicas de titulação de terras, além de recursos do governo federal para alavancar políticas públicas e combater a violência nos territórios. “Todos aqueles que simpatizam com a luta quilombola venham conosco para defender o direito à terra das comunidades quilombolas, o direito à produção, à saúde e o direito à educação”. O ativista quilombola disse, ainda, que é preciso reconhecer o atraso na regularização fundiária de territórios quilombolas.
O Censo 2022 mostrou que apenas 4,3% da população quilombola reside em territórios já titulados no processo de regularização fundiária.
O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Cesar Aldrighi, garantiu que o Instituto vai usar os dados para mapear todas as comunidades e avançar na regularização fundiária.
“Os dados que tiram da invisibilidade o povo quilombola, onde o Incra tem a responsabilidade de trabalhar com os relatórios de delimitação e identificação das Comunidades e iniciar os procedimentos de demarcação. E precisamos falar de regularização fundiária”.
Governo Federal
O assessor especial do Ministério do Planejamento e Orçamento, João Villaverde, destacou que, apesar do atraso, os territórios quilombolas entram de vez para as estatísticas do IBGE. “Estamos, agora, no censo. E a partir de agora, estaremos sempre nos que virão. Aquele censo de 2030 que virá, a gente vai comparar com que está sendo divulgado agora. E em 2100, a gente vai comparar com o que está acontecendo neste exato momento”.
A secretária -Executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, disse aos presentes que o governo brasileiro começa a resgatar a verdadeira história da população brasileira, para garantir os direitos de todos. “Nesse país, a nossa obrigação é produzir direitos para suas maiorias. Aquilo que até pouco tempo, não estávamos fazemos”.
“É a partir dos quilombos que o Brasil, efetivamente, cumpre a sua missão civilizatória. Os quilombos apontam para liberdade. O povo quilombola que conseguiu nos tirar das sombras da escravidão negra no Brasil e de todo esse crime bárbaro contra a humanidade que aqui ocorreu. Foi por meio da resistência dos líderes quilombolas e dessas comunidades que hoje o Brasil começa a cumprir sua missão civilizatória ”, diz Roberta Eugênio.
A secretaria-Executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Raquel Ribeiro Martins, alerta que é fundamental que os dados do Censo 2022, do IBGE, sejam monitorados para se transformarem em políticas públicas que corrijam distorções na sociedade brasileira. “O desenvolvimento de políticas públicas específicas e efetivas para as comunidades quilombolas é o importante aliado no combate ao racismo estrutural, fundiário e agrário que precisamos enfrentar na construção de um país mais justo e igualitário”.
Por Daniella Almeida - Repórter da Agência Brasil
Tags:
Direitos Humanos