ARTIGO: Mamar - O Verbo do Pecado

Por Fátima Guedes*


O caos encarado com sabedoria apresenta-se como portal de ressignificações várias. Em João, o Evangelista (12, 24-26) há fundamentação pertinente: Se o grão de trigo não morrer fica só, mas se morre dá muitos frutos. A covid-19 chega nessa perspectiva: reavaliar realidades estagnadas, desafiar o politicamente correto e suas práticas viciosas, e, por fim, protagonizar despertares libertadores. 

Na busca por estratégias interventivas - haja vista a lentidão para a retomada de ações in loco -, velhos arquivos se oferecem aliados incontestes: o ontem e o hoje sempre atuais se fundem nos mesmos dramas e conflitos ideológicos.

Coincidência ou não, encontro no espaço VIP, da coluna social do periódico Em tempo Parintins (14.04.2007), entrevista de Hélerson Maia com D. Guiliano Frigenni, Bispo de Parintins, município localizado às margens do Rio Amazonas, a 369 km de Manaus.

A altivez de D. Giuliano durante aquela entrevista prendera-me a atenção: razão por que guardei o periódico entre arquivos considerados importantes, haja vista a temática sempre atual. A fala do Bispo quebrara paradigmas próprios de colunas sociais elitistas; ao mesmo tempo, com sapiência, problematizara um dos pecados da elite parintinense: Mamar. 

No figurativo da língua brasileira, o termo vem do latim – mamma: tirar proveito, extorquir, ter porcentagens ou lucros desabonadores, conseguir favores financeiros, especial mente do Estado.

Na época (01.05.2007), o chororô foi grande! A elite viciada nas mamas públicas vitimizara-se porção!... No entanto, até hoje, nenhum dos vitimizados recorrera. Muito menos, mea culpas da parte dos poderes constituídos, de representatividades intocáveis e de legislações contraditórias ao exercício pleno da Justiça Social. Era o mínimo que Parintins esperava. Chapéu é pra quem usa, diz a sabedoria popular. É bom lembrar: há 169 anos, Parintins arrasta uma herança político-histórica sedimentada na lógica do Mamar: assemelha-se a uma ama de leite; a um manancial escancarado a lactentes inescrupulosos cujos vícios ampliam a cadeia de herdeiros de mamatas: filhos, netos, parentes, aderentes e, ao mesmo tempo, o cordão dos puxa-sacos.

Em princípio, a mamofilia é perversa em qualquer sociedade. Enquanto viciados usam de manobras e não largam o peito, na contramão, a grande massa desmamada precocemente, somente quando esperneia arranca dos moleques mamadores escassas gotas. A tese de D. Giuliano é atualíssima. Só alguém com autoridade pode denunciar a cal que encobre a podridão dos sepulcros instalados no Município de Parintins. 

Ó, Virgem do Carmo! Proteja vossos seios das bocas viciadas!... Deixai os empobrecidos deste Município experimentarem, mesmo tardiamente, o sabor de Vossa Justiça.

* Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.

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