Painel “Mulheres desenham seus nãos” nas Ruínas da Casa da Cultura de Parintins
A brasilidade interventiva, sem temor, mantém-se na resistência pela efetivação da igualdade de direitos, apesar da indiferença da grande maioria despolitizada.
Por Fátima Guedes*
O assassinato da Vereadora Marielle (PSOL), há mais de três anos, é mais um arquivo sepultado nas omissões da (in)justiça brasileira. Situação semelhante de outras personalidades políticas quando, no justo exercício da representatividade, problematizam e intervém sobre as iniquidades do dito estado democrático. No enfrentamento às contradições, a brasilidade interventiva, sem temor, mantém-se na resistência pela efetivação da igualdade de direitos, apesar da indiferença da grande maioria despolitizada ao mesmo tempo vulnerabilizada em seus direitos fundamentais.
A questão evoca a poética de João Cabral de Melo Neto: um galo sozinho não tece uma manhã. Impossível materializar a Justiça Social sem o engajamento e o autocomprometimento dos excluídos; sem a autorresponsabilidade do Estado e das representatividades políticas; difícil também cobrar ativismo de uma população dormente, dependente do coronelismo liberal. A esta falta de afinação a princípios éticos universais, ecos em defesa de Justiça por Marielle e por outras vidas se perdem nas indiferenças e distâncias entre o justo e a falácia politicosa.
Tal desafino tem raízes: a espada impôs o medo, este foi abençoado pela santa cruz... São mais de quinhentos anos de adestramento; mais de quinhentos anos de barbárie étnico cultural... Somando-se temporalidade e massacre, poucos galos sobrevivem, enfrentam a tirania e insistem em tecer manhãs militantes, porém, o destino por tal ousadia é o mesmo de Marielle.
Na verdade, o perfil colonialista do estado brasileiro não aceita minorias qualificadas e empoderadas nos espaços de poder decidindo sobre programas de governo, distribuição equânime da riqueza, acolhendo diversidades culturais, muito menos, assumindo-se com soberania... Os vícios colonizatórios continuam intocáveis: aqui e ali, sorrateiramente, velhas raposas engasgam galos, silenciando-os para sempre. Enfrentar, portanto, o democracídio institucionalista exige da parte de seus protagonistas determinação transgressora contra transgressões institucionais, enfim, desobediência civil.
Sobre anseios silenciados, aos 25 de novembro de 2019 (Dia Mundial de Combate à Violência contra as Mulheres), feministas parintinenses confiaram à Câmara de Vereadores, o Projeto de Iniciativa Popular instituindo o dia 08 de março - Dia Internacional das Mulheres - feriado municipal, em reconhecimento à dura jornada de trabalho doméstico e de cuidados responsabilizada às mulheres milenarmente.
Sob o entendimento da maioria, a luta pelo feriado é um caminho de reconhecimento também de protesto a uma economia doméstica totalmente invisibilizada - a maioria informal e não remunerada. Tais elementos constituem-se limites, impossibilidades ou mesmo impedimentos de emancipação e fortalecem as desigualdades, a divisão sexista do trabalho e tantas outras violências silenciadas no universo das mulheres, em especial, das mulheres empobrecidas e sem escolaridade. Daquela data até agora foram muitos apelos a detentores e detentoras de mandados no legislativo parintinense.
Em Parintins, a casa dita do povo ignorou, silenciou o propósito das mulheres... Esquecera-se do ventre que gerou e pariu, independentemente das circunstâncias, as representatividades ali instaladas. Nem as manas ali colocadas, sem dúvidas, pelo voto de outras manazinhas dizem algo! Seria despreparo?... Subserviência ao patriarcado político partidário?... É duro não ter autonomia ou não se reconhecer mulher – nó de um mesmo novelo!...
Esperançar, porém, é anseio em movimento. Enquanto a Câmara de Parintins nega o apelo das mulheres, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovara o Projeto de Lei 6215/16, que transforma em feriado nacional o Dia Internacional das Mulheres. As articulações da Câmara dos Deputados apontam vitória às mulheres brasileiras. A Câmara daqui, no entanto, perde uma grande oportunidade: fazer valer (de forma justa) os salários dos onze vereadores pagos pela maioria das mulheres de Parintins, com ou sem renda.
Só ter piedade de Marielle é hipocrisia. As vítimas do machismo institucional silenciadas merecem respeito e clamam por Justiça! É imoral ao mesmo tempo injusto assumir funções públicas sem a justa competência para um agir ético interventivo, transformador. No mais, invoquemos as Deusas: que o perfil autônomo e interventivo de Marielle contagie todas as fêmeas que se declaram representantes das mulheres no Brasil, no estado do Amazonas e em Parintins. Assim seja!!!
Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
Foto: Floriano Lins